Letters in Store

Friday, January 13, 2006

Domnus (Casa)
A manhã ia alta quando acordara. Pela janela não se apercebia do sol que queimava a relva verdejante do prado à sua volta. A casa dos avós que lhe fora herdada. Tudo era dela, tudo era para o seu futuro. Era o seu futuro.
Saíra da cidade havia dois meses. O rebuliço ainda lhe fervia no sangue, precisava dos gritos, do stress, da poluição….aqui encontraria paz e sossego, monotonia, coscuvilhice e velhice, dons da vida no campo. Mas a decisão era final. não voltaria mais àquele espaço.
A cidade era a sua amada. Adorava os prédios que desafiavam o sol, o asfalto que cobria com seu manto negro a relva e nem o chilrear dos pássaros se ouvia. Tudo isto fazia parte de si: a sua casa. Passado.
Caminhou por tantos anos junto a uma bomba de gasolina e o cheiro a gasolina era perfume para o seu olfacto...quantas vezes fora esquecida esta memória de infância e que o silêncio traz à tona da memória.
“O amanhã é só mais um dia,” - pensava. “Ficarei neste leito, a vegetar, como a relva lá fora…ao vento, ao sabor do tempo, a divagar.”
O labirinto da mente que compunha a cada momento apresentava agora mais saídas que becos… “Evolução da natureza,” - pensou, enquanto acendia o primeiro cigarro do dia. Fumava pelo menos dois maços por dia, de uma assentada. Abastecia-se no café do Sr. Firmino, pelo menos para uma semana. A aldeia ficava a sete quilómetros da sua casa e só ao Domingo contactava a civilização, o Sr. Firmino, do café, o Sr. Abílio e o Sr. António, ilustre conselho de anciãos da aldeia. Os bons dias e votos de muita saúde seriam o suficiente. Mais do que isso seria uma palestra.
Afundou-se na cama, sem qualquer vontade de despertar para o mundo, preferia a actividade mental no leito ao acordar do pequeno-almoço e subsequentes tarefas. “A casa vai-se fazendo, não nasce feita”, – convencia-se.
E no silêncio da casa que a compunha surgiu o pensamento que a trouxera a esta vida:
“Cada dia que passa não é um dia a mais sem te ver. É um dia mais próximo do reencontro, meu amor.”
E deixou-se ficar no leito, a saborear o momento que a memória lhe trouxera à vida.

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