Letters in Store

Monday, May 16, 2011

A trip...


Desilude pensar que as pessoas que encontramos e com as quais estabelecemos ou - pensamos nós - queremos fazer de alguém um “eu” especial para a nossa vida, se resuma a um encontro ou vários em que os sorrisos escasseiam, os olhares se fecham e as palavras perdem o seu sentido. ´




É cruel pensar que no mundo não há ninguém que nos desafie ao extremo, que não partilhe de ideias e afectos. Que marasmo e deserto será a nossa vida se nos entregarmos ao mundo porque genuinamente procuramos a bondade do género humano, mas ao invés encontrarmos a decepção de descobrirmos que afinal o génio humano é uma máscara que cobre momentos fugazes, cenas breves, teatros de uma peça que, no fundo, é afinal característica da absoluta verdade da Vida: a brevidade.

De facto, ninguém é profeta na sua terra…

Friday, April 30, 2010

Papel


Deitei fora aquele papel. Rasgado, amarrotado e queimado de outras noites. Outros humores. Marquei a data no meu coração: esta noite enterrei-te e carpi-te pela última vez, tu, que sempre encontraste maneira de voltar para o meu coração.





Lembrei-me das manhãs, já cansado de projectos e coisas imaginadas, mas não eram as manhãs as predilectas. Antes, eram as noites, aquelas sob o signo da Lua, em que mais a tua lembrança ficara marcara. Pois a partir de hoje já não. As exéquias terminaram.


Amanhã não vou acordar. Antes prefiro viver no sonho de uma vida em que não conheci aquele papel, e nem o corpo que nele escrevera aquela mensagem, e assinara a sentença da minha vida. Em pausa.

Friday, December 12, 2008

"Break the silence"



10 de Dezembro de 2008

Subi as escadas para o sotão saboreando o ranger de cada tábua nos dedos dos pés. Encontrei-o tal como o deixara, havia já largos anos, em que a infância se preenchia de odores, sons e cores de fantasia e histórias e livros. Livros sempre foram a minha paixão, talvez porque encontrei neles um refúgio nos dias em que a vida surpreendia a minha inocência e a incógnita de não saber os motivos. Sei, porém, que neles dediquei longas horas nocturnas,à sucapa, por entre os lençóis e uma lanterna “roubada” da garagem do meu pai. E a paixão tornou-se, naturalmente, a minha profissão.

Comecei pelos poemas, infantilidades de jogos em rimas e palavras, mas as cores e tactos colocara-os apaixonadamente e deles avancei para os contos. E do lúdico passei a compôr partituras ritmadas por episódios e cascatas de temas, fonemas e teoremas preenchidos em letras de encantos e enganos, de que é feita uma vida.

Amanhã partirei com a minha família para Chicago. Ficaremos no hotel, naquele quarto, não para me castigar, mas porque quero que seja uma esperança para o meu filho. E o livro irá acompanhar-nos. Não vou abandoná-los.

...

Chicago, 12 de Dezembro de 2008

Hannah insistiu para nos hospedarmos neste quarto de hotel. Pedi-lhe que escolhesse outro, não fosse esta sua escolha trazer-lhe à memória o seu passado, mas teimosa como é, acedi ao pedido. Sempre foi assim desde que começámos a namorar. O desafio sempre esteve lá no início, mas o mundo que habita naqueles olhos é imenso e a cada dia me surpreende mais; sempre teve facilidade em ler os meus lábios.
Agora que a vejo brincar com o Sam entreolhamo-nos e uma sombra cruza o nosso olhar. Hannah teme-o, apesar de negá-lo, mas algo dentro de nós sente que por ironia ou capricho da vida, o Sam construirá para si um mundo igual ao de Hannah. E ela sabe que as paredes respiram o choro das viagens intermináveis ao hospital e bateria de médicos e exames...o Sam é especial.

Desvio a atenção para a música que tocava no rádio. Levanto-me da cadeira e dirijo-me para os dois. Pego na mão dela enquanto Sam se distrai com um brinquedo. Olho-a e digo: “É a tua música”. Ela sorri, abraça-me e encosta-se ao meu ombro. “Break the silence...,”-disse. “O livro está pronto.”

E respondi calmamente, enquanto limpava uma lágrima que escorregava para a sua boca, “Sempre esteve.”

Wednesday, September 17, 2008

Do.si.la



A música enfeitiçava-lhe o corpo, deixando-a levada pela melodia e ritmo caribenho. As voltas e rodopios traziam-lhe o sorriso e o rubor na pele de uma fantasia da infância há muito deixada em pausa, até que decidiu parar esse degredo e entregar-se ao sonho almejado.

Há tempos pensava na rotina, uma forma de a quebrar, mas a vida que levava apagava os desejos e os sucessos, e só restava tempo para os sonos e cansaços do dia-a-dia.


“Preciso mais de ti.“


Havia nela uma pose, um pé de dança que seduzia no olhar, sem cair no passo em falso de um cadafalso de palavras. A situação dominava com perícia, envolta no desejo de realizar-se realizando o mundo de sons que a rodeavam. E os cheiros detestava, sinónimo de fantasias.


“Vem...dança comigo esta noite...”


Olhava-o com encanto pelo desencanto da vida que apagara no passado, graças a ele. Vestia-se para ele, lançando-lhe notas, nunca em falso atropelo, e os pés saltitavam ritmados pelo dia-a-dia.


Previa agruras e lágrimas, não queria dançar sozinha. E à noite, pelo silêncio das cadências dos passos nocturnos, escrevia labirintos de pautas para as suas ancas. E contorcia os lábios, quase forçando o irromper do sangue.


“Não gosto de dançar.”


E ele desferia-lhe essa nota em frio ferro e o sorriso fugia para o canto da sala da música. Suspirava, mas não desistia. E sonhava-se acompanhada por ele, levada pela métrica africana que ouvia e fechava os olhos pela mão que lhe subia pela coxa. Sim...era este o embalo que desejara para si até à velhice.


Sofia dançava sozinha, mas sabia dentro de si que não sairia enganada daquele seu salão: rainha do tango, dócil, artística, feliz- mesmo que aos braços do seu próprio sonho. E como me embalo nele, e todos nós - um pouco, uma nota só, um só momento.



P.S.
Dedico-te este post, pela força que mostras ser na vida de todos aqueles que te rodeiam. Acompanho-te pelo caminho que seguires e estarei cá para os passos em falso ou em frente que deres. Pelos riscos que tomaste e vais tomar, minha companheira sonhadora, vives como inspiração e espero ser um espectador alucinado pela estrela que mora em ti.

Wednesday, August 13, 2008

Earth


Quiseram romper com os laços à terra onde nasci. Perdi-me por uns tempos, vagueei por ruas que pensava conhecer, caras que achava reconhecer, sorrisos que imaginava corresponder. Vãs ilusões de um dia em que quis ser outro que não eu.



Limpo a alma de outras noites, suores de carnes que já esqueci e por onde não sei voltar, curvas perigosas de lábios de mulheres cujos perigos me ensinaram a querer mais de mim, e a desejar a companheira.




Artificialmente pondero o amanhã, como se todos os projectos ainda me fossem possíveis...mas aquela punhalada e desilusão ainda têm o travo amargo do caminho há pouco percorrido. Aproveitei o momento e deste modo se aproveitaram da mão que estendi e que hoje lavo do cuspo à qual a submeti. O teatro permanece naquela sala...mas os actores são outros, agora que me despeço vagarosamente, como sombra de quem quiseram atar naquela teia.





Não conheço a terra onde nasci. Morri no dia em que dela saí...e outro me transformei porque doutros me alimento, até hoje: a noite em que quis moldar as palavras como o barro de que sou feito...e (ainda) não consegui.

Wednesday, June 18, 2008



Se(m)-ti -do








São pulsações fortes naquela janela, pensamentos caóticos nas nuvens embaciadas de lembranças de outras tardes, e outros cafés.



Estava só naquele cigarro que fumava com o prazer de uma inconsciência e mortalidade anunciada. Sabia que morria num dia de Verão, desejara-o, mas temia que seria durante o Inverno da sua vida, prisioneiro das rugas e maleitas da novela que criara.




Era um jovem, este velho anunciado, e estas linhas escreveu em jeito de elegia. Apagara-as, supunha, mas aqui as reproduzo, pois que esse jovem sou eu, somos nós, é o mundo.

Wednesday, May 28, 2008

Pre-scriptum
"Tanto ando desinquieto que a calmaria inunda o silêncio que esmaga a vontade," dizia na penumbra do quarto, nas noites em que sorriso caía e dava lugar à inevitável sensação do amanhã que não se sabe para onde ou para quê.
Deixava-se volitar ao sabor da multidão nas ruas, o vai-vem automatizado, robotizado e desumanizado, e a cada lágrima caída o arrependimento por se vergar a este deus quotidiano.
Não havia ninguém que lhe lembrasse de quem fora ou de quem seria. Perdera-se do fio de Ariadne, e o labirinto adensava o negrume das trevas que viviam dentro de si. Procurava altares, saudades e liberdades com vista ao inegável desejo de ser carne e entregar-se às asas do sonho rumo à mentira almejada de uma infância adulta, ciente do suspiro que se aproxima cada vez mais do fim.
"E uma pausa," pensava, "traria o sorriso e o sangue à flor da pele: o amanhã que ando evitando serás tu, a carne que tomei agora, e para sempre, minha."