Letters in Store

Thursday, January 26, 2006


VOX CEPHAS

A arte é acima de tudo pessoal. Respira, leitor, as minhas cordas vocais. Não queiras desejar o Amor ou a Dor que escrevo. Antes, procura a minha alma que busca falar com a tua, e junto criarmos o milagre chamado Literatura.

Acto Um:

Fiz-me de novo neste compasso a descoberto.
Missiva para o mundo,
venci trevas, sonhos, quimeras,
e palácios da ventura busco
desejando o salão pleno de Ideal.
O Mar, meu pai, abençoou-me
com o beijo santo da mãe água,
leito onde deponho a cada hora o meu ser.
E tudo seria vão e fingimento
se o teu olhar não trouxesse no meu peito.




Acto Dois:


Em piras de fogo lancei as cartas,
oráculos da Dor a cada manhã.
Sombra do homem que fui,
sacerdotisa de cordel no altar difuso da tarde sombria
que o Sol recusou testemunhar.

Paira no peito a marca do Sol:
as trevas são memória ante o teu olhar.

Friday, January 13, 2006

Domnus (Casa)
A manhã ia alta quando acordara. Pela janela não se apercebia do sol que queimava a relva verdejante do prado à sua volta. A casa dos avós que lhe fora herdada. Tudo era dela, tudo era para o seu futuro. Era o seu futuro.
Saíra da cidade havia dois meses. O rebuliço ainda lhe fervia no sangue, precisava dos gritos, do stress, da poluição….aqui encontraria paz e sossego, monotonia, coscuvilhice e velhice, dons da vida no campo. Mas a decisão era final. não voltaria mais àquele espaço.
A cidade era a sua amada. Adorava os prédios que desafiavam o sol, o asfalto que cobria com seu manto negro a relva e nem o chilrear dos pássaros se ouvia. Tudo isto fazia parte de si: a sua casa. Passado.
Caminhou por tantos anos junto a uma bomba de gasolina e o cheiro a gasolina era perfume para o seu olfacto...quantas vezes fora esquecida esta memória de infância e que o silêncio traz à tona da memória.
“O amanhã é só mais um dia,” - pensava. “Ficarei neste leito, a vegetar, como a relva lá fora…ao vento, ao sabor do tempo, a divagar.”
O labirinto da mente que compunha a cada momento apresentava agora mais saídas que becos… “Evolução da natureza,” - pensou, enquanto acendia o primeiro cigarro do dia. Fumava pelo menos dois maços por dia, de uma assentada. Abastecia-se no café do Sr. Firmino, pelo menos para uma semana. A aldeia ficava a sete quilómetros da sua casa e só ao Domingo contactava a civilização, o Sr. Firmino, do café, o Sr. Abílio e o Sr. António, ilustre conselho de anciãos da aldeia. Os bons dias e votos de muita saúde seriam o suficiente. Mais do que isso seria uma palestra.
Afundou-se na cama, sem qualquer vontade de despertar para o mundo, preferia a actividade mental no leito ao acordar do pequeno-almoço e subsequentes tarefas. “A casa vai-se fazendo, não nasce feita”, – convencia-se.
E no silêncio da casa que a compunha surgiu o pensamento que a trouxera a esta vida:
“Cada dia que passa não é um dia a mais sem te ver. É um dia mais próximo do reencontro, meu amor.”
E deixou-se ficar no leito, a saborear o momento que a memória lhe trouxera à vida.

Tuesday, January 03, 2006

This honesty (ou na Al/La ma)



Há dias em que apetece dizer o que nos vai na alma, correndo o risco de sermos colocados na lama.

Outros dias há que, ouvidas as palavras que almejamos, enche-se o peito de esperança e sonho...

Tudo isto é volátil. Tudo isto é (des)honesto... excepto aquilo que deposito a cada momento no coração, ciente das injúrias, e das máscaras que se apresentam.

Vigia, leitor, o teu espírito....não caia ele em volatalidade.

Monday, January 02, 2006

M(omento) para O(nde) R(umam) T(odos) sem E(nsaio)

Estavas linda naquele dia. Acordaste-me com um sorriso e um beijo, enquanto me afagavas o cabelo, que naquela altura querias mais curto. Era já tarde quando me decidi levantar da cama.

As panquecas que fizeras para mim, embora já frias- eu sei que merecia o raspanete, estive a jogar no computador até às tantas - eram de chocolate, as minhas favoritas. O dia seria inesquecível. Quem não curte acordar com coisas boas?

À tarde teria aulas -que seca- mas nada difícil: Biologia e Psicologia eram os apontamentos do costume, e Português, mando um bitaites filosoficos ao prof. e ele não se cala. É canja, mais poupo os miolos para logo. A Rita diz que me quer mostrar uma coisa especial...hehe.
.......
Afinal a aula de Biologia foi um stress do caraças. Por causa do Bolo queimei-me com o prof. e ele stressou connosco na aula. O Bolo foi logo pró conselho directivo - 'tá sempre a arrumar confusão, este gajo - e como se não bastasse mandou-me a mim também. Granda rabecada que tive que gramar das cotas da secretária...que cena, logo hoje...e ainda por cima ligaram aos meu pais para me virem buscar...até parece que por conhecer o Bolo sou má pessoa. Stressam por tudo e por nada estes cotas. Ao resto das aulas já nem fui. " 'Tás de castigo," dizem-me.

A minha mãe lá chegou...toda escandalizada começou logo a tripar comigo em frente aos cotas todos...que merda! Por que é que ela não podia ter esperado até estarmos em casa? É sempre a mesma cena. Escusado será dizer que eu e a Rita hoje...tá difícil, - entretanto mandei-lhe uma sms a contar o que se tinha passado.

No carro foi a viagem toda a ouvi-la a matraquear mais umas quantas bocas . Nem queria argumentar. É escusado. Fogo, nunca mais vou trabalhar para ter a minha casa!...Vou cagar na faculdade e meto-me nas obras, ao menos ganha-se lá bem. E há sempre obras para fazer, por isso, estou tranquilo.

Ela deixa-me no ringue para o jogo com os meus amigos. "O último antes do castigo que me espera." Diz ela. Grande dia que afinal tive...tudo à pala daquele porco do prof. de Biologia.

........
Recebi o Agente da PSP pelas 20 horas, creio eu. Não me digam que o miúdo se meteu em mais uma alhada...! A polícia, agora. O que raio anda o rapaz a fazer na escola ou pior ainda, o que estará ele a aprontar?

A notícia sugou-me o sangue para o coração. Tudo parou em silêncio. Senti o aperto que sucede o parar do coração. Senti-me cair, tudo pausou, girou, desmoronou naquele momento.

Havia parte de mim que não acreditou nos ruídos que saíam da boca daquele homem, daquele ser humano que agora me esbofeteava com palavras imundas, acutilantes e dilacerantes.

Queria gritar, arrancar os cabelos, rasgar a roupa e o peito...arrancar o coração com as mãos. Não tinha voz...nada saía da minha boca...nem sequer o ar, que só automaticamente transmitia oxigénio para o meu corpo.

Mordi os lábios até sentir sangue no lábio inferior. Não queria ceder à Dor naquele momento, não em frente àqueles senhores, não enquanto a porta da rua estivesse aberta e os vizinhos passassem. Tartamudeei "Obrigada pela informação , senhores agentes. Uma boa noite." Pergunto-me hoje o porquê de tamanha compostura.

Fechei a porta e caminhei até ao quarto dele. Abri a porta e senti os lábios caírem até formarem um semicírculo. Dirigi-me à cama que fizera de manhã, porque ele se atrasara para o almoço e seguiu para a escola. Afaguei a cama ,como que em busca do corpo...e cedi. A mágoa, a tristeza, a raiva, a não-aceitação.... "Não," dizia, "ele não...ele não." Chorei até perder o ar e quase asfixiar do peito que afundara.

.......

O hospital chamara para reclamar o corpo.... o meu filho, a minha carne... o meu sangue. O meu "eu" contestatário, rezingão, queixoso e amoroso. O meu "eu" craque do futebol, amigo, companheiro. O meu "eu" mundo imperfeito, na palma da mão...

Foi-me roubado, foi-me negado...mercenários mo levaram, me arrancaram a possibilidade de o ver crescer...e almadiçoo-os pela cama vazia, o quarto que religiosamente deixarei intacto até que eu própria morra. Bandidos me assaltaram do bem que tinha mais precioso. Antes me levassem a casa. Dá-la-ia sem hesitar. Se eu te tivesse levado logo para casa, de castigo, se eu te esperasse no carro, se eu te tivesse ido buscar, se o teu pai tivesse passado pelo ringue depois do trabalho...Agora medito nos "ses" que não me levam a ti, antes revolvem em ti e o meu coração escurece.

Descansa agora, meu "eu" amado, contador de histórias, pirata das panquecas com chocolate, amante dos meus pratos...meu filho...fazes-me falta, minha carne...fazes-me falta no sal que verto a cada noite. O suspiro leva os meus pesadelos em busca do palácio da ventura...encontrei-o...é aquele em que te encontro. E não largo nunca, nunca mais.

Pensei fazer um blog dedicado à vida, mas a morte tirou-me as palavras. Restam as lembranças de quem amei um dia, que fez e ainda faz parte de mim. E levo no peito até ao dia do último suspiro. Rumo ao desconhecido.
(Dedicated to all those who lost someone they loved....I dare say, all of us still here.)