Letters in Store

Friday, December 12, 2008

"Break the silence"



10 de Dezembro de 2008

Subi as escadas para o sotão saboreando o ranger de cada tábua nos dedos dos pés. Encontrei-o tal como o deixara, havia já largos anos, em que a infância se preenchia de odores, sons e cores de fantasia e histórias e livros. Livros sempre foram a minha paixão, talvez porque encontrei neles um refúgio nos dias em que a vida surpreendia a minha inocência e a incógnita de não saber os motivos. Sei, porém, que neles dediquei longas horas nocturnas,à sucapa, por entre os lençóis e uma lanterna “roubada” da garagem do meu pai. E a paixão tornou-se, naturalmente, a minha profissão.

Comecei pelos poemas, infantilidades de jogos em rimas e palavras, mas as cores e tactos colocara-os apaixonadamente e deles avancei para os contos. E do lúdico passei a compôr partituras ritmadas por episódios e cascatas de temas, fonemas e teoremas preenchidos em letras de encantos e enganos, de que é feita uma vida.

Amanhã partirei com a minha família para Chicago. Ficaremos no hotel, naquele quarto, não para me castigar, mas porque quero que seja uma esperança para o meu filho. E o livro irá acompanhar-nos. Não vou abandoná-los.

...

Chicago, 12 de Dezembro de 2008

Hannah insistiu para nos hospedarmos neste quarto de hotel. Pedi-lhe que escolhesse outro, não fosse esta sua escolha trazer-lhe à memória o seu passado, mas teimosa como é, acedi ao pedido. Sempre foi assim desde que começámos a namorar. O desafio sempre esteve lá no início, mas o mundo que habita naqueles olhos é imenso e a cada dia me surpreende mais; sempre teve facilidade em ler os meus lábios.
Agora que a vejo brincar com o Sam entreolhamo-nos e uma sombra cruza o nosso olhar. Hannah teme-o, apesar de negá-lo, mas algo dentro de nós sente que por ironia ou capricho da vida, o Sam construirá para si um mundo igual ao de Hannah. E ela sabe que as paredes respiram o choro das viagens intermináveis ao hospital e bateria de médicos e exames...o Sam é especial.

Desvio a atenção para a música que tocava no rádio. Levanto-me da cadeira e dirijo-me para os dois. Pego na mão dela enquanto Sam se distrai com um brinquedo. Olho-a e digo: “É a tua música”. Ela sorri, abraça-me e encosta-se ao meu ombro. “Break the silence...,”-disse. “O livro está pronto.”

E respondi calmamente, enquanto limpava uma lágrima que escorregava para a sua boca, “Sempre esteve.”

4 Comments:

  • Excelente resposta ao desafio! Palavras sempre bonitas...
    Beijocas

    By Blogger Liliana Ponces, at 3:48 AM  

  • This comment has been removed by the author.

    By Blogger Catarina, at 3:41 AM  

  • Lembras-me Nicholas Sparks em "O Sorriso das Estrelas" (tradução do título da obra para Português, claro). Se não conheces o livro, vai ver o filme se é que ainda não foste vê-lo. Talvez gostes. Recordei-o mesmo neste teu texto...

    By Blogger Catarina, at 3:42 AM  

  • Gostei muito.Está excelente. Quando poderemos apreciar um livro e não apenas um texto? Pensa nisso,sim? Dá notícias. beijocas

    By Anonymous Anonymous, at 1:23 AM  

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