Letters in Store

Sunday, February 10, 2008

Tango Aquático
Despiu-se de quaisquer tecidos no corpo, agressivos para a pele que queria mergulhar na paz do banho. Naquela noite apetecia-lhe isso mesmo, ao contrário do quotidiano duche. Esta era uma noite diferente, e ela bem o sabia.
Virou-se para o espelho da casa de banho, enquanto a água quente corria na banheira, e sorriu. Via naquela pele rosada o sangue de outras noites, em que fevilhava pela fricção do outro corpo no dela. E pulsava de energia. Sorriu mais ainda quando o coração aumentou este ritmo acelerado nas suas veias e as narinas pediam mais oxigénio. E fechou os olhos na ideia daquelas palavras susurradas por entre lábios semicerrados, quase em sangue pela força com que os dentes afagavam palavras desejadas, na brutalidade de beijos sonhados e filmados em mente compassada.
Suspendeu o sorriso na cara, mas não no coração, ainda só ia no primeiro acto deste sonho acordado, e deitou o corpo na água, quente por sinal, já que ficara a correr livremente enquanto ela percorria este seu inocente e fatal delírio.
Fechou o corpo na água e cerrou os olhos para fazer regressar à flor da pele o sorriso afundado no peito. Quando regressou veio com ele um gemido da traqueia e o gozo de uns pés que lhe cocejavam as pernas.
Empedernecia com os minutos, entregue ao corpo imaginado agora, mas acarinhado na hora em que o desejo supunha uma vida de seduções e gracejos. Filhos e passeios...enganos e devaneios.
Mentia propositadamente nesta lembrança sem se aperceber no tempo que sucedia sem piedade pelo congelar deste momento em que queria eternizar este seu sorriso embalado.
De manhã a criada encontrou Luísa, já sem vida. O frio da casa-de-banho emanava de uma banheira transbordando a água gelada de uma noite fria. O corpo que outrora acompanhava tangos de outras noites, mais quentes e estivais, jazia frio e hirto, naquele leito aquático.
Perante o horror desta visão, entre as testemunhas e curiosos chocados, apenas uma luz quebrava este lúgubre quadro...o sorriso de Luísa, tão apaixonado.

1 Comments:

  • Por vezes até quando o corpo está vivo e à temperatura "normal", a Luísa também pode estar morta. Ainda bem que tens escrito mais. Tinha saudades destas leituras.

    By Blogger Catarina, at 3:27 AM  

Post a Comment

<< Home