Letters in Store

Sunday, February 26, 2006

Res pectum (As coisas do peito)

Há três dias que não saía da cama. Preferia dormir. A noite deixara de ser boa conselheira, agora que os voos dos sonhos eram bem mais baixos. Humildemente aceitara a condição que a vida lhe impunha...e a idade assentava como um véu de noiva...docemente, impunemente, controlava a rasura da juventude.

Era devagar que movia o corpo. A letargia comandava o espírito quebrado. Deixara tudo, excepto comer. A natureza assim o ordenava. Relegado ao silêncio, votava o mundo à mesma condição, filho pródigo do mundo que o pariu e viu crescer...e afastar-se.

"O mundo tem um compasso diverso ao meu," pensara, "todos vivem os caprichos das suas vidas...a mim...a vida tornou-me o seu próprio capricho.Parei de escrever. Suspendi os amigos. Pausei a Luz."

Senta-se inerte na cama. As costas curvadas -que no passado prometera corrigir, por amor. Segura o telemóvel e dedilha as mensagens que não apagara...escrevera na alma tantas- de sorrisos e lágrimas- e voltou àquela que lhe causara um livro de palavras, mas nem um bilhete expelia da alma...ou as sombras o levariam.

Atormentado pela penúria das almas que o cercavam, descaiu o olhar e as mãos. Tentado...pensou...o trabalho dignifica o homem...mas não o completa...
Incompletamente ergeu-se para o chuveiro...ligou-o, despiu-se e baptizou-se na água morna. Deixou-se cair, cedeu perante a força d'alma e com o olhar arregalado para o vazio, chorou. Dez segundos bastaram.

Recompôs-se. O dia assim o exigia. Já que respeitava as escolhas da vida...esta impunha a si próprio:

"Hoje é um dia de trabalho."

Amanhã...seria outro dia. Aquele que quem ama aguarda e rejubila.