Letters in Store

Thursday, January 03, 2008

Ainda que pensasse ser uma pessoa feliz, Ana escondia um segredo.
Desde pequena que sonhava percorrer os livros. Não aqueles empilhados em prateleiras, nas bibliotecas, ou os poucos que já coleccionava no seu quarto. Os livros que sonhava eram os seus, aqueles que ela própria escrevera. Mas isso....pertencia ao futuro...ou a um passado idealizado.
Estudou Letras. A paixão sempre a consumira eneste curso sentia-se como peixe na água. Estar perante outros críticos, amantes, teóricos de livros seduzia-a, enfeitiçava-a, impelia-a a querer saber mais, pensar e congeminar cada vez mais, a escrever decididamente mais.
A paixão, contudo, veio a ser a sua ruína. Ana saíra da faculdade de tal forma apaixonada pela escrita e pelos livros que sentia-se na necessidade de ela própria tornar-se uma missionária da arte de ler (bem, entenda-se). Começaria pelos mais jovens, já que neles residia a esperança...mas deles viu nada mais que o vazio...a pura incapacidade de se abstrair do concreto para um universo múltiplo e pessoal, fruto da comunhão entre a imaginação de várias pessoas.
Tentou mais tarde os adultos, mas também neles viu-se desapontada. Não que não fossem capazes de construírem mundos, mas estes estavam impregnados de desilusão, mágoa, rancor e solidão...e a esperança, com tantos inimigos, inevitavelmente esmoreceu.
Ana, a sacerdotisa , envelheceu...e com ela amargurou-se a esperança, desiludida das batalhas que enfrentou. Esmoreceu o sonho e morreu o canto....e o segredo permaneceu como castigo do tempo que queria viver e podia ter vivido, mas tomou para si a vã missão de querer partilhar do seu dom e nunca chegara a escrever um livro...guardara-os antes a todos no seu coração, único santuário em que a esperança sobreviveu...por entre as rugas de um sorriso.