Letters in Store

Tuesday, March 25, 2008

A Dança das Alianças


Dançava nervosamente aquela aliança na mão direita. Fruto de uma noite de sonho, os sonhos pareciam naquela altura, as alturas que se venciam numa vida.
Fazia castelos na mente, somente por gostar de fantasiar uma vida que não era sua... e mais saberia o nunca que isso traria à sua alma.
Judite iria casar-se. Levava a carne do dedo até à ferida de tanto afagar esse anel, agora que tinha a certeza do seu novo e futuro significado. A dança deste na sua carne estava, assim, escrita. Era barro na sua mão, modelado ao seu prazer, lembrança das origens de olhares e palavras enfeitiçantes...e enfeitiçadas.

Envolvendo-a em véus de seda, sedentas de um ritual antigo, as cortesãs olhavam-na em inveja e cerimónia, marionetas de um fantasma que Judite negava com ingénua alegria. Não era segura de si, temia a verdade. E tão verdadeiramente percebera finalmente no altar que o sorriso do rosto à sua frente transpunha o seu véu e o seu corpo e recaía nos lábios da mulher que elegera como a companhia das noites em que não vinha jantar com ela.

E o brilho daquele sorriso estalou. Afundaram-se as rugas e adensou-se a cortina do engano. O tão precioso anel era agora a mó que a levava à morte, um amor transformado pecado e condenação.

Ele, ao vê-la cair em si, percebeu o horror. E o momento seria ideal e teatral, como se nada fosse, salvo o "Sim" que não se fez ouvir. Ela, engolindo o orgulho ferido, engoliu em seco, colocou o anel na mão esquerda, e desceu do altar. E foi neste preciso momento que Judite se apercebera: tudo era, afinal, uma dança, o passo em falso que lhe trouxe a este dia. E a prisão do anel virou liberdade.
"Afinal," declarou, "o teu silêncio disse o tudo que queria ouvir de ti."

Wednesday, March 19, 2008

"Não me queiras mal por gostar de ti. Não me condenes por querer a tua pele na carne dos meus dedos e sentir o sangue pulsar de uma vida que julgara esquecida. Não te afastes de mim se o meu sopro te asfixia, pois asfixiado ando eu por querer só mais um minuto, um olhar, um novo tempo.

Vejo multidões passar diante dos meus olhos, páginas e páginas li e me trouxeram a este dia, e noite seria se não te visse agora, sorrindo, e tocando-me levar-me à loucura de elegias de outros tempos, tão felizes. Projectos faço, entrelaçando os nossos caminhos, e futuros fantasio, milhares deles, em que os dois seremos felizes, só porque existes.

Se não estás presente, não há santos, não há altares que mereçam ser erigidos. És o corpo que adoro, a alma que desejo, a voz que ecoa dentro de mim. Chama-me de entre as sombras, elege-me de entre milhares, partilha o que és comigo e eu ser-te-ei fiel. Fielmente adorado serei eu por ti. Estamos juntos, vem, acredita em nós.

As nuvens, contudo, são muitas e a minha mente fermenta tempestades. O teu silêncio é o abismo em que mergulho a cada noite e as trevas afundam a esperança, o sonho, a audácia de te dizer que quero-te para mim. Choro se estás comigo e esmago-me pela distância que existe entre os dois.

Quebra-se o peito de não estar contigo, se estás ausente pelos mais diversos motivos. Razões, essas, arranjo-as eu para sobressair de entre os outros, em vão, talvez, pela minha mortalidade, mas o que é isso senão a percepção de saber que se revelo o que sinto por ti ao mundo é a verdade de um fim que vem e que só por ti se adia.

Juntos faria eu loucuras, mas os loucos amam em demasia ou demasiadamente se perdem nas palavras que matam com a boca. Por isso não tas digo, escrevo-as, como um segredo que, espero, venhas a descobrir. Vive, pois, no teu palácio da mudez, do qual ninguém sai, nem a Ventura, minha aliada de outras demandas e de outros dias.

Vem, une a tua carne à minha, sejamos sangue e pó, amaldiçoemo-nos para sempre, alheios ao fim do mundo. Mundos criaremos no beijo da fantasia, aquela em que serei a água para a tua sede, a sombra dos dias de Verão, a carícia na pele de um sonho que perdura.

Fantasia, realiza, acredita em mim. Não partas, fica só mais esta vez, e de vez liberta-me do Inverno do inferno do dia-a-dia, pois que não sinto já nada, agora que te preparas para partir. Fica nesta linha, não avances mais, sustém o tempo...e transforma aquilo que sou no amante que querias."

(Silêncio)

Clara suspira ao acabar de ler aquele livro. Fecha-o e enrola o cachecol à volta do pescoço. Desfazendo-se no meio da multidão, partiu. E o livro, algures, ainda ecoa o seu nome na prateleira onde o guardara.