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Monday, April 03, 2006

Frater Fraterni

Deitara-se ao som de cítaras e flautas. Os poemas percorriam-lhe a mente, vazando-lhe os olhos de tanta tinta, de tanta paixão pela escrita. Cegara as mãos de odores que compunha no papel, naquele caderno simples de couro, símbolo da sua adolescente escrita, tanto ainda por amadurecer.

As linhas da mão - de velho, muitos disseram - sangravam as vozes na sua alma. Muitas diziam em coro as quimeras da alma humana, mas isolara uma entre tantas, uma voz que mais se assemelhava a um sopro, uma chama cujo pavio se precipitava para o fim, e simplesmente clamava a sua essência... a compaixão.

Retirava-se para o leito, silencioso, frio, branco. A noite era a mãe que escutava as suas preces diárias, abençoando os ouvidos com o rumor distante de um oceano de paz e música celeste, graças às irmãs estrelas e a sua predilecta, a sua amante, a Lua.

Recordou-se nos primeiros sinais de sono de um abraço que há muito não tinha. A idade fizera esquecê-lo e o tempo não trouxe mais as palavras ou o contexto para que tal voltasse a acontecer. Nem tornaria. Foi este último pensamento que precipitou o torniquete no peito, a pancada seca que se abate no coração, no âmago da alma quando a realidade que cerca e se fecha perante o silêncio domina.

Recolheu-se à infância e lembrou-se do irmão, fruto da mesma mãe, ramo da mesma árvore. O abraço que escusa o verbo. O amor que vence a carne, porque é feito de sangue e alma. E vive para lá da mudez das cordas vocais. A boca seca que naquela noite não soube pronunciar mais nada perante a sombra da noite e gerou o dia no seu coração.



1 Comments:

  • Não conhecia esta tua faceta, de mestre das palavras. Tocante, profundo, sincero... adorei cada frase.
    Parabéns meu querido!

    By Blogger Liliana Ponces, at 5:56 AM  

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