Embriaguez
Vivia cada dia como se nao fosse seu, sentindo-se estranho, irado, confuso consigo próprio. Afastara aqueles que amara toda a vida e deixara a namorada desiludida naquele varão das escadas, discutindo sobre o nada, deixando meio prédio boquiaberto com a sua violenta resposta.
Embriagara-se da juventude.

Chegara ao fundo de um poço do qual não sabia explicar como havia chegado lá. Lá, pensou, seria um fim a propósito, mas de propósito fizera aquele mesmo precipício...uma saída inglória para tantas caras que o admirariam pálido, sem vida, depositado numa caixa de madeira. O seu fim.
A espaços imaginava uma outra vida. Reformulava a sua angústia e desprazer pelos outros numa fúria criativa. Via-se com um bloco de notas na mão e erraticamente escrevinhava naquele caderno. ninguém percebia o que escrevia, nem ele próprio, às vezes. Só sabia que, às vezes, acreditava que estava a fazer algo de diferente para si e para os outros. Algo inexplicável, algo apaixonante e apaixonado...algo que o rendesse de tanto ódio e sombras que criara à sua volta.
Falou à rapariga que em tempos amava. Pediu-lhe perdão e estendeu-lhe os braços. E naquele abraço compreendeu o porquê do caderno. Quando faltam as palavras para dizer que gostamos de alguém..é preciso procurar dentro de nós que já as escreveramos noutro sítio...só que nos esquecemos onde.