Mondscheinsonate

Só ela se apercebia do quanto lhe era vital esta flor. Mantê-la-ia sã durante as provações...seria a confessora da madrugada, cuja testemunha, a lua, seria ao mesmo tempo juíza. Como sacerdotisa da lua, investiu-se deste cargo e tomaria como missão a protecção daquela planta, daquela flor naquele reino de água, místico das sombras, altar dos desejos nocturnos.
Era belo o seu sonho. Queria-o realizado. Mas o tempo passava e nada contemplava o seu desfecho. Religiosamente viria orar para o lago. E como sinal dos deuses, pensava, veria o desabrochar daquela flor como a tão esperada resposta ao peso no peito, que apertava o ar e roubava deste bem precioso.
Sentava-se por vezes a escrever num pequeno caderno que o pai lhe oferecera. Já nas últimas páginas, desejava chegar à última com a alegria da resposta da Lua, que ora a iluminava, ora minguava e desaparecia, como que meditando sobre o seu desejo.
Viajava para lá daquele lago, daquela flor. Imaginava palácios, templos, pessoas, mundos. Ouvia risos e rumores, escutava oceanos e sentia odores e perfumes do Oriente. E tudo vivia com intensidade pueril, inocentemente acumulada nestas eternas noites em que queria ser o mundo e mundo seria não fosse o peso nos seus pés, que a atavam àquele lago. E assim crendo crescia em sabedoria e harmonia.
Na noite da última página, prostrou-se junto ao lago. Inspirando longamente, nomeou-se Musa do Lago e começou a escrever as últimas palavras naquele caderno, tantas vezes folheado.
Olhou para a juíza que plenamente iluminava aquele altar. Olhando a flor que secava, ficaria estéril esta magia aquática. Suspirando, fechou os olhos e imaginou um abraço, um corpo, um sorriso. E apercebeu-se que dentro de si desabrochava aquela mesma flor.
Era o milagre, a prece lunar realizada. Eis que a criança apaixonada dava, assim, lugar à mulher amada, que sorria.